As últimas semanas foram bastante agitadas na USP, a maior universidade em lingua portuguesa do mundo. Alguma coisa acabou indo para a imprensa, que tornou evidente ao público uma greve que já ocorre de forma tradicional na universidade, parece até fazer parte do calendário de atividades de certas unidades. Mas, perguntado pelos meus alunos sobre a minha opinião sobre o assunto, afinal fui aluno da USP, sempre respondi que temos de tomar cuidado com certas afirmações. Por exemplo, a USP não está em greve, uma parte dela está. Pequena, por sinal. Outra coisa que sempre perguntam é: quem tem razão nessa história? E a resposta é sempre a mesma: dos três grupos em greve, só dois podem ser levados a sério, os funcionários e os professores.
Os funcionários estão em greve por causa do descumprimento de um acordo da reitora de incorporação de salários do valor de R$ 200,00. Também reivindicam a recontratação de um funcionário demitido por causa de sua atuação sindical. Vale lembrar que a greve é um instrumento legal que aqueles que produzem valores econômicos podem usar para negociar melhorias nas condições de trabalho. Por causa dos desentendimentos da reitoria com a direção do sindicato (culpa da reitoria que desmarcou um encontro agendado), a entrada da reitoria foi bloqueada por grevistas. Qual foi a solução de gênio da reitoria? Chamar a PM para dentro do Campus da capital.
Não que eu tenha algum medo da polícia, não devo nada a ela. Além do mais, meus três empregos e minha aversão às drogas não me colocam como alvo de nenhuma investigação quando estou na USP, pelo que entendo. A polícia tem mais o que fazer do que me investigar. Mas a presença dela no campus viola um acordo histórico feito no fim da ditadura militar de que a PM sempre ficaria fora da USP, a não ser em casos específicos. Por causa dessa intervenção, os professores resolveram então se juntar à greve dos funcionários, pedindo a saída da polícia do campus.
A posição dos professores é compreensível, afinal a maioria deles estava na universidade, de algum modo, quando a polícia entrava na USP e prendia ativistas contra a ditadura que nunca mais eram vistos. A ojeriza deles à presença da polícia ali é algo que se pode entender perfeitamente.
Da parte dos alunos que estão em greve (FFLCH, ECA, FE e Psicologia, segundo levantamento do Estadão desse domingo) nem discuto. Pessoas que se juntam, dizem representar os estudantes em uma assembléia e votam "oficialmente" a posição "Fora PM do mundo" não merecem sequer discussão, de tão ridículo. Deve ser por isso que a reitoria não os leva a sério, afinal conversar com essas pessoas seria aceitar que posições obtusas e ridículas como essa entrassem em pauta de discussão. Mais do que qualquer coisa, essas pessoas ajudaram a reitora a manter a sua posição. Afinal, como negociar com esse tipo de pessoa?
O restante da universidade funciona normalmente, com exceção dos serviços que dependem dos funcionários, como o bandejão e o circular, linha de ônibus interna da USP. E porque então se falou tanto sobre essa greve em específico, se elas já fazem parte da rotina da USP (para aqueles que as seguem ou não, tanto faz)? Por que a PM entrou em confronto com um grupo de manifestantes que fechara o portão um, principal entrada do campus. Não cabe a mim julgar quem começou a confusão, mas por ter vivido um largo período na FFLCH acho mesmo que não foram os policiais que começaram a confusão. Eles só deram o tom da pancadaria, armados e estimulados que estavam.
A pergunta é: porque isso ainda acontece na USP? Essa crise só veio coroar um processo de anos e anos em que a maioria dos alunos que entram na FFLCH, por exemplo, vem das camadas mais abastadas da sociedade e transformam a sua estadia na faculdade em uma grande brincadeira, uma grande diversão. A universidade vira, para algumas pessoas, um verdadeiro playground.
São pessoas que se travestem de pobres, se vestindo como, falando como e agindo como, mas sempre voltando para suas casas confortáveis nos seus carros caros. São comunistas, marxistas, tanto faz a ideologia. No geral, lutam contra o capitalismo mas nunca trabalharam na vida para pagar a comida no próprio prato ou o papel higiênico com que limpam a bunda. Vivem no mundo da fantasia, têm quem pague as suas contas e por isso podem fazer protestos e assembléias em dias letivos e de trabalho normal, afinal não sabem o que é isso. Lutam pela melhoria no ensino, mas a maioria deles nunca está na sala de aula. Parece contraditório e é: na USP, aqueles que lutam pelo ensino não têm a menor intensão de se aproveitar dele, afinal dá muito trabalho. O máximo que querem da vida é militar no movimento estudantil, aprender as manhas com os partidos políticos aí colocados e, se a polícia ajudar e bater em alguém, virar político de verdade, em defesa do ensino público. Ainda bem que nem todos são assim e é possível encontrar gente digna de respeito no corpo discente das faculdades, mesmo nesses redutos de pensamento ultrapassado.
Se o caso dos travestis parasse por aí estaria tudo bem. O problema é quando toda essa história sobe os degraus e de corpo discente vira corpo docente. Muitos doutrinadores travestidos de professores estão nas fileiras da USP, impedindo o livre pensamento, a discordância e o debate (ainda bem que são minoria, barulhenta, mas minoria). Até onde posso entender do processo educacional pela minha magra experiência em escolas e cursinhos, a função do professor é dar recursos para que o aluno tenha o entendimento daquilo que está aprendendo. Isso passa obrigatoriamente por dar todas as informações necessárias e as várias visões de um mesmo fato, para estimular a reflexão e assim fazer progredir a ciência.
Doutrinadores formam seguidores e não acredito que seja essa a função de uma universidade do porte da USP. Quantas vezes ouvi de colegas que fizeram curso comigo que tinham escrito nas provas o que os professores queriam ler para não serem reprovados? Eu mesmo tive de fazer isso em algumas matérias, por saber de antemão que os discordantes nunca eram aprovados. Quantas vezes ouvimos falar que pessoas que defendem doutrinas ideológicas nas salas de aula e que tinham outra forma de vida fora da universidade? Quantas vezes vimos ou ouvimos professores dizerem absurdos como que o mercado de trabalho não existe? É difícil acreditar, mas é a verdade: isso é parte da USP. Apesar disso, a universidade continua sendo bem conceituada, estando entre as 100 melhores do mundo, no geral. Apenas porque a parte menos importante da USP entra em greve. E é a parte menos importante porque é a que menos se dá importância. Infelizmente.
2 comentários:
Parabéns pelo ótimo post!!!
Nessas greves, fica mais claro observar "quem é quem" dentro da Universidade...
Até porque quem protesta as 15hrs da tarde, é porque não deve precisar trabalhar mesmo...assim é fácil.
Vou deixar um site interessante sobre um plebiscito que está rolando para saber quem de fato é a favor da greve...uma espécie de mapeamento...
http://greveusp.dnsalias.com/
Não votei, pois não sou mais da USP, mas as parciais dizem tudo!
Abraços da sua chará!
Silvia Zambuzi
Olá, Prof!
Meu primeiro semestre de FFLCH e que brinde ganhei, hein?
Dá até um desanimo... fiquei impressionada com a "ferocidade" da "esquerda", manifestações repletas de violência, assembléias unilaterais, quem não concorda com o discurso enlatado dos comunistas é alvo de sarcasmo, falta de respeito, criancice (aja visto como foi patética a atuação da "oposição" na reunião da GEA JR)...
Mas acho que eu sobrevivo nesta selva. Me impressiona é a falta de crítica por parte de muitos de meus colegas bixos, que já se engajaram neste movimento... mas não deu tempo ainda prá analisar á fundo estas propostas, e só a ampla utilização da violência (vide tb o flash mob "greve da greve")já é um otimo motivo para discussão.
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