No dia 13 de outubro, Lindemberg Fernandes Alves invade o apartamento e faz quatro reféns. Não demora muito para libertar dois rapazes e fica com a ex-namorada e uma amiga dela. Segue-se a isso uma tensa negociação, com alguns erros e acertos da polícia. A libertação da amiga Nayara foi estratégica, uma troca para que o sequestrador voltasse a ter luz elétrica na casa. Depois de atirar para fora do apartamento ele suspende as negociações. No dia 15, uma das coisas mais absurdas que já vi: enquanto a polícia tentava negociar com o sequestrador, ele dava entrevista ao vivo para uma carniceira de primeira, uma tal de Sônia Abrão da Rede TV, que transformou o sequestrador em celebridade.
No dia seguinte, o absurdo dos absurdos: a refém libertada volta ao apartamento e ao domínio do sequestrador. A polícia ao invés de retirar do sequestrador garantias, dá mais garantias para ele. No dia 17 acaba o cárcere, com a invasão da casa pelo GATE e a prisão do sequestrador. Mas ele teve tempo de atirar nas duas reféns, o que levou à morte a ex-namorada, Eloá.
Esse é um caso permeado de erros. Não se pode dizer que a polícia agiu corretamente, pois a invasão se deu por causa de um tiro (alegação da polícia), que a testemunha principal, Nayara, diz que não ocorreu. Mas algum barulho similar foi relatado por políciais e moradores do local. Mas o erro para mim está mais para a sociedade como um todo do que outra coisa. E o principal veículo para isso é a imprensa.
Como foi demonstrado na cobertura pseudo-jornalística do caso, o resultado só podia ser trágico. Afinal de contas, venderia muito menos se as reféns sobrevivessem e se o sequestrador se entregasse. A graça da imprensa é a desgraça alheia. Pela cobertura, qualquer coisa que a polícia tentasse, o sequestrador saberia antes. Não havia elemento-surpresa, afinal a transmissão ao vivo gera mais audiência. E se a polícia tivesse aproveitado as oportunidades que teve para matar o sequestrador, as imagens seriam utilizadas para massacrar a corporação, que diga-se de passagem é paga para defender o cidadão (no caso, as meninas) contra o infrator.
Depois da morte da estudante, as repercussões ainda duraram pelo menos duas semanas, com consultas a especialistas e advogados. Tudo para o deleite de um espectador que sempre pensa, ainda que inconscientemente nesses casos "eu tô fudido, mas aquele lá tá mais que eu" e para alegria das redes de televisão, pela audiência atingida. A vida da refém era mais uma das mercadorias que os jornais e TVs vendem. O problema é que a morte vende mais. Por isso os abutres e hienas ficam rondando a morte, mas não a morte do bandido, o que já é normal. É necessário que a vítima seja inocente, que seja jovem, que tenha amigos e fotos no ORKUT para mostrar em reportagens e mais reportagens. Quanto maior a perda da família, maiores as vendas. E que se dane o resto.
Agora a imprensa já deixou o caso de lado, outros já aconteceram. As grandes redes já acharam a quem culpar, a polícia, claro. Não podem em momento algum assumir que foram os reais legitimadores da ação do bandido, protegendo-o, dando-lhe informações e fazendo dele uma estrela. Tem de tirar de seus próprios ombros o peso do cadáver, mas quem se importa? Basta esperar a próxima vítima. Como disse a tal da Sônia Abrão, ela "não fez nada além do seu trabalho".
Hoje todos esses ninhos de carniceiros choram a perda de audiência provocada pela falta de trajédias que chamem a atenção do público. Mas no fim, só se vende merda para quem compra merda. E a sociedade continua chorando a morte de mais uma vítima que ela própria fez (assistindo à cobertura) enquanto paga o jantar do assassino. Essas pessoas têm de entender que de vez em quando é necessário matar o bandido para salvar o inocente. E é necessário culpar a quem tem culpa, como os carniceiros que vivem da morte e desgraça alheia, vendendo jornais e ocupando horas nas TVs. E de desgraça em desgraça se fará um país cada vez pior.